Por Associação União das Aldeias Apinajé-PEMPXÀ
Matopiba: mata o Cerrado e seus povos
Quando as últimas árvores do Cerrado caírem; quando as nascentes e os rios limpos que ainda restam estiverem agonizando; quando os animais e as espécies de vida desta região estiverem se debatendo desesperadamente em meio à contaminação da terra, da água e do ar; quando o sol esturricar a face da Terra; então, todas as formas de vida estarão condenadas. E só então nossos gritos de alerta bradados hoje para que toda essa calamidade seja evitada serão lembrados. Mas, será tarde. Alguns poucos humanos inescrupulosos, movidos por uma ganância ilimitada, terão decretado o fim da vida nesta nossa Casa Comum. Eles mesmos também morrerão se debatendo em suas vidas de opulência e privilégios. No entanto, será tarde. Nossos gritos de alerta terão sido sufocados. Quem viver verá.
Para resistirmos a este processo destruidor de toda espécie de vida, é preciso que nossa sabedoria ancestral indígena, assim como os conhecimentos tradicionais das comunidades e dos povos das florestas, sejam respeitados e valorizados. Nossa voz e nosso grito devem ser somados aos dos cientistas, pesquisadores e amantes do Planeta Terra, nossa Casa Comum – como nos convocam o Papa Francisco e tantas pessoas que fazem esse anúncio de vitória da Vida.
É por isso que nós, povos indígenas Apinajé, Krahô, Xerente, Karajá de Xambioá, Krahô-Kanela, Kanela do Tocantins, Avá-Canoeiro e Javaé, de Tocantins, Tapuia, de Goiás, Kayapó do Para, Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul, e Pataxó Hã-Hã-Hãe, da Bahia, juntamente com as comunidades tradicionais, entre elas as Quebradeiras de Coco, os Quilombolas, Ribeirinhos e Camponeses e as Pastorais Sociais, nos manifestamos dizendo “NÃO” ao Plano de Desenvolvimento Agrário (PDA) MATOPIBA, que é um projeto de destruição e morte do Cerrado e dos seus povos em áreas do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Este projeto é o mais recente de uma série de outros, que vêm sendo implementados há décadas neste bioma, na perspectiva de imposição de uma lógica desenvolvimentista que privilegia o agronegócio e a exportação de commodities. Programas como o Prodecer I, II e III e os projetos Campos Lindos e Formoso foram desdobramentos de um projeto em parceria com a Agência de Cooperação Internacional do Japão (cuja sigla da sua denominação em inglês é Jica), elaborado por técnicos em nome de empresas e do governo do Japão com o objetivo de explorar o Cerrado para favorecer este país no comércio internacional de grãos. Em 40 anos, o resultado foi o aumento do desmatamento em mais de 70% da cobertura vegetal e a compactação e o envenenamento dos solos, provocando a diminuição das chuvas, que já não recuperam os aquíferos e, consequentemente, a seca das nascentes dos córregos e rios, ameaçando gravemente a soberania hídrica e alimentar dos povos.
Queremos igualmente dizer “NÃO” aos mega projetos de infraestrutura, como as hidrelétricas, hidrovias, estradas; e do agronegócio, como as monoculturas, as irrigações, a utilização massiva de agrotóxicos, a apropriação privada das sementes. Todos concorrem para o mesmo processo de destruição e morte. Repudiamos a construção das usinas hidrelétricas Serra Quebrada, Santa Isabel, Perdida II, e Marabá e da hidrovia Araguaia/Tocantins.
Diante deste cenário desolador, queremos contribuir com a construção de uma nova sociedade, respeitadora da Mãe Terra e da harmonia na convivência com todas as formas de vida. Queremos oferecer nossa sabedoria e conhecimentos e nossos projetos de Bem Viver.
Diante do exposto, exigimos:
1. A conclusão o quanto antes os processos de demarcação das nossas terras tradicionais: Taego Ãwa, do povo Avá Canoeiro; a terra dos Kanela do Tocantins; a conclusão da demarcação da terra indígena dos Krahô-Kanela; e a Apinajé II/Gameleira, do povo Apinajé e do povo Krahô da aldeia Takaywrá;
2. A conclusão da revisão de limites do território do Carretão do povo Tapuia de Goiás;
3. A imediata demarcação, desintrução e proteção da Terra Indígena Taego Awa, do povo Ava-Canoeiro;
4. Que o Congresso Nacional arquive a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215; o Projeto de Lei 1610, que abre as terras indígenas para a exploração da mineração, dentre outros que buscam retirar nossos direitos constitucionais;
5. Que o Congresso Nacional arquive a PEC 65/2012, que flexibiliza o licenciamento ambiental. Repudiamos as manobras que colocam os interesses do agronegócio e do latifúndio acima da Vida e desrespeitam a Constituição Federal, que no seu artigo 225 garante o direito a ter um meio ambiente saudável para todos;
6. Que sejam realizadas Audiências Públicas para debater o PDA/MATOPIBA e os possíveis impactos e interferências deste programa no bioma Cerrado e nos territórios indígenas, quilombolas e nas demais comunidades camponesas e rurais, e que seja garantida ampla participação destes movimentos
7. Que o governo federal cancele o programa PDA-MATOPIBA e os órgãos competentes embarguem todos os projetos em andamento nos estados do MA, TO, PI e BA.
8. Exigimos o cumprimento da legislação brasileira e internacional, por exemplo, os Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental (EIA/Rima) e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em relação a todos os projetos considerados impactantes, que envolvem desmatamento, uso de agrotóxicos, hidrelétricas, mineração, indústria madeireira, hidrovias e qualquer alteração nos nossos modos de vida tradicionais;
9. Que seja realizado (com urgência) o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 5312 do Projeto de Lei (PL) estadual 2.713/2013, que dispensa o licenciamento ambiental das atividades agrossilvipastoris, que integram lavoura, pecuária e floresta, empreendimentos impactantes do agronegócio;
10. Que o Ministro Teori Zavascki do Supremo Tribunal Federal relator da ADI 5312 julgue a Liminar que questiona a Lei 2713/2013 do Estado do Tocantins.
11. Conforme preconiza os Art. 231 e 232 da CF exigimos que seja efetivada com urgência a Fiscalização e Proteção dos Territórios Indígenas literalmente abandonadas pelo Estado brasileiro;
12. Que seja feita auditoria no Distrito Especial de Saúde Indígena (DSEI) de Tocantins.
13. Exigimos também a melhoria na atenção à saúde indígena dos povos indígenas de Goiás e Tocantins, e seja respeitada a nossa relação com os nossos familiares falecidos, sem que, seja rompido o vínculo com seu povo, respeitando nossa diversidade cultural;
14. Que seja abandonada de uma vez por todas a criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI), que significa a privatização da saúde indígena e o fim do controle social da Política de Atenção à Saúde Indígena;
15. Exigimos que a SEDUC respeite o nosso direito à uma educação diferencia e de qualidade respeitando a forma organizacional e cultural de cada povo indígena e que sejam cumpridas todas as nossas demandas na melhoria da educação escolar indígena;
16. Que a Universidade Federal do Tocantins (UFT) explique como foi firmado o convênio com o PDA MATOPIBA, através do qual foi criado um Instituto do Matopiba na UFT. Queremos saber: “quais são as bases deste acordo?” e “como esse convênio e este instituto vão ajudar a proteger o Cerrado e os territórios indígenas, quilombolas e das comunidades tradicionais?”.
Repudiamos veementemente a atitude desrespeitosa com os povos indígenas da senhora Ivanezilha Ferreira Noleto, coordenadora do DSEI-TO, por não ter comparecido à III Assembleia dos Povos Indígenas de Goiás e Tocantins, e por ter enviado uma equipe totalmente despreparada que não tem nenhum poder e autonomia para resolver as nossas demandas e denúncias da precariedade da saúde indígena;
Exigimos também uma rigorosa apuração e a punição dos assassinos das nossas lideranças. Responsabilizamos o Estado brasileiro pelo processo de violência e genocídio contra as lideranças indígenas do Mato Grosso do Sul, em especial os Guarani e Kaiowá. A impunidade significa um estímulo ao massacre dos nossos povos.
Por fim, nós, os mais de seiscentos participantes da III Assembleia dos Povos Indígenas de Goiás e Tocantins, realizada em Palmas (TO), entre os dias 20 e 23 de junho de 2016, conclamamos a sociedade brasileira para lutar conosco na defesa dos direitos indígenas duramente conquistados na última Constituição Federal de 1988, em defesa da Vida do planeta Terra e pela construção de uma sociedade justa, democrática e plural.
Povos Indígenas de Goiás e Tocantins
Povo Pataxó Hã-Hã-Hãe – BA
Povo Guarani Kaiowa – MS
Povo Kayapó -PA
Palmas, 23 de junho de 2016.
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Imagem: Nas ruas de Palmas – TO, manifestantes com cartaz contra o PDA/Matopiba. (foto: Antonio Veríssimo/Junho de 2016)