Carta a Alexandre de Moraes e Flávia Piovesan sobre o povo Guarani Kaiowá

Por Konstantin Gerber, no Justificando

Excelentíssimo Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes,

Excelentíssima Secretária de Direitos Humanos, Flávia Piovesan,

As comunidades do povo Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, estão condenadas a viver acampadas à beira de rodovias. A situação no Mato Grosso do Sul, pela morosidade na demarcação, pelo confinamento, e, pelos ataques em beira de estrada, configura-se tentativa de genocídio ou ao menos uma discriminação no que se refere aos efeitos da política do desenvolvimento nacional, com impossibilidade de autodeterminação e desfrute da própria cultura, o que viola o art. 27 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, que assegura o direito das minorias étnicas.

Entre 2000 e 2014, foram 707 suicídios de indígenas, somente no Estado do Mato Grosso do Sul. O drama da falta de perspectiva de viver a própria cultura e contar com acesso a recurso naturais sadios também ocorre no Estado do Paraná.

Em Mato Grosso do Sul, apontam-se 24 ocorrências de omissão e morosidade na demarcação de terras indígenas. Especificamente, contabiliza-se, com relação às terras Guarani Kaiowá, morosidade no processo de demarcação de 17 terras indígenas. Há descumprimento do prazo estabelecido pelo Decreto nº 1.775/96. São as famosas gavetas do Ex-Min. Eduardo Cardozo que V. Exas. herdaram.

O Brasil descumpre com os parâmetros interamericanos de se garantir a demarcação de terras para povos originários, pois em matéria de retardo injustificado para se garantir a propriedade comunal, teve-se o julgado Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai, que garante o direito de recuperar terras e, em caso de expulsão e massacre, o caso da Comunidade Moiwana Vs. Suriname, em que se estabeleceu que há um direito de voltar à terra. E há, ainda, um direito à terra que se relaciona com o direito à alimentação adequada, conforme declarações internacionais.

A jurisprudência do STF sobre anulação de demarcação das terras Guyraroká, do povo Guarani Kaiowá, e Limão Verde, do povo Terena, ambos do Mato Grosso do Sul, viola os parâmetros internacionais de direitos humanos. O STF perpetua os conflitos, ao invés de pacificá-los. O cenário não é bom para o Brasil: despejos forçados, desaparecimentos forçados, assassinatos e lesões das mais variadas.

Enquanto o STF finca o pé na posse efetiva na data de 05 de outubro de 1988, as instancias internacionais falam em vínculo espiritual com a terra, em direito a retornar em caso de massacres, em direito de recuperar terras, as quais involuntariamente tenham perdido, de um direito de acesso a recursos naturais e de um direito de viver a própria cultura.

Aconselho o governo federal a seguir os parâmetros interamericanos, nem que para isso tenhamos que inovar no processo de demarcação de modo que se garanta a recuperação de terras de igual qualidade ou, ainda, criar soluções alternativas com a constituição de reservas extrativistas ou reservas ecológicas geridas por indígenas, sempre com justa, rápida e eficaz indenização aos fazendeiros. Basta para isso o consentimento prévio das populações indígenas.

De se garantir a participação das populações indígenas na elaboração dos planos plurianuais e dos orçamentos, pois é daí que derivam as diretrizes e as metas dos ministérios para o que chamamos de desenvolvimento.

Conforme decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos, os membros dos povos indígenas que involuntariamente tenham perdido a posse de suas terras e que estas tenham sido transferidas legitimamente a terceiros inocentes, tem o direito de recuperá-las ou a obter terras de igual extensão e qualidade.

*Konstantin Gerber é advogado consultor em São Paulo, bacharel em direito e relações internacionais, mestre e doutorando em filosofia do direito pela PUC SP, onde integra o grupo de pesquisas em direitos fundamentais. Professor convidado do curso de especialização em direito constitucional. Email: [email protected]

Foto: Lunae Parracho/Anistia Internacional.

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