Os casos aparentemente sem ligação encontram uma conexão, entretanto, com o contexto político de recrudescimento do conservadorismo e da ascensão das forças golpistas
Por Marina dos Santos , da Página do MST
Sob o marco do Golpe parlamentar-empresarial que subtraiu o processo democrático para forçar a implantação de uma agenda conservadora quatro vezes derrotada nas urnas, o conjunto da sociedade brasileira vem sendo impactado com diversos ataques a direitos sociais historicamente consolidados, como a Previdência Social e a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Contudo, tememos haver um segmento em especial nesta sociedade que constitui um elo sob ataque até mais devastador: aqueles que vivem no campo.
Trabalhadores e povos do campo vêm sofrendo ataques de todos os lados, não somente recebendo nas costas a conta da crise capitalista através das mudanças de legislações e medidas de cortes promovidas pela coalisão golpista, mas sendo novamente alvos de ameaças, agressões e assassinatos.
Nos últimos meses tem aumentado a frequência com que chegam relatos chocantes dos rincões deste país, com cenas de brutalidade e violência para com trabalhadores rurais, povos indígenas, comunidades quilombolas e demais populações do campo. No final de maio, vieram relatos da região amazônica, do pequeno povoado de Pau D’Arco, próximo a Redenção, Sul do Pará. Mais uma vez o estado do Massacre de Eldorado dos Carajás (1996) ocupa as manchetes dos noticiários nacionais e internacionais com o sangue do trabalhador rural estampando as matérias: dez posseiros, nove homens e a presidenta do sindicato dos trabalhadores rurais do município, foram executados por policiais que usaram o pretexto de uma reintegração de posse para cometer os homicídios.
A cena do crime foi alterada pelos próprios policiais, o que dificulta a perícia, entretanto, de antemão, já se percebe nítida divergência entre os testemunhos dos assassinos e os dos trabalhadores sobreviventes. Segundo os trabalhadores, a versão de que houve conflito entre posseiros e policiais é falsa: “eles chegaram atirando!”, afirmou mais de um sobrevivente. Não bastasse o completo desrespeito aos procedimentos estabelecidos no Pará para reintegrações de posse, as cenas promovidas pelos policiais (até agora não identificados) foram cruéis. Ainda segundo relatos, aqueles que não tinham sido baleados pelas costas ao tentarem fugir foram todos agredidos com chutes, mesmo já estando dominados, e alvejados à queima-roupa.
No início do mesmo mês, um grupo de indígenas da etnia Gamela foi atacado com armas de fogo e facões nas terras imemoriais onde vivem, em Viana, no Maranhão, numa ação orquestrada pelos latifundiários da região, que disputam as terras indígenas. Dois índios tiveram suas mãos decepadas e outros 13 ficaram feridos. Dias antes, em 20/04, outra chacina chocou o país. Dez trabalhadores rurais foram vítimas de mais um massacre, promovido por homens encapuzados, em Colniza, Norte do Mato Grosso. Também no mês de abril, o dirigente regional do MST em Periquito-MG foi covardemente assassinado num contexto de conflitos por terra na porta de sua própria casa.
Os casos aparentemente sem ligação encontram uma conexão, entretanto, com o contexto político de recrudescimento do conservadorismo e da ascensão das forças golpistas. Está na correlação de forças entre capitalistas e trabalhadores a chave explicativa que nos permite conectar as violências institucionais às violências das chacinas e ameaças. Num país em que uma autoridade pública, como um deputado federal, tem a ousadia de propor como legislação o retorno de condições análogas ao feudalismo para a remuneração de trabalhadores rurais (com teto e comida, e não salários!), o que poderíamos esperar de ação do bruto dono de terras afastadas dos grandes centros urbanos? Violência e impunidade nas terras-sem-lei, por óbvio.
A absurda medida acima mencionada se refere a uma proposta de reforma trabalhista voltada especialmente para o trabalhador rural, mas ela não vem isolada. Encontra-se num conjunto de medidas da coalisão golpista mídia-Congresso-Presidência. Entre as medidas que atingem os camponeses em específico, além daquelas que atingem o mundo do trabalho como um todo (como a PEC do teto dos gastos) estão: o fechamento do Ministério de Desenvolvimento Agrário, o congelamento de orçamentos destinados à agricultura familiar e, aprovado dia 31 de maio no Senado, o PLV 12/ MP 759.
A Medida Provisória, transformada em Projeto de Lei de Conversão no trâmite no Congresso, é o sepultamento da política de Reforma Agrária, pois municipaliza a mesma (quando seus principais inimigos são aqueles que ocupam cargos nas estruturas locais), elimina os movimentos sociais do processo de escolha das famílias e abre brecha para uma regulação indiscriminada da grilagem. Num horizonte bem tangível está também o projeto de lei que permite a venda de terras para estrangeiros, já criticado até pelas Forças Armadas. Todas as medidas são aplaudidas de pé pela bancada ruralista.
Advertimos, porém, que a conjuntura é dinâmica e que a História dos povos do campo é marcada por processos de resistências. Nossa resistência neste momento conjuntural, enquanto movimentos de luta pelo direito à terra, implica uma capacidade de influir na retomada democrática do país. Nosso sucesso está na derrubada deste governo e deste congresso, por isso nos levantamos em todo país e fazemos também o chamado à solidariedade global: “Fora Temer! Diretas Já no Brasil!”.
* Marina dos Santos, dirigente nacional do MST.