Na Rede Cerrado
Realizado entre os dias 3 e 5 de julho, na comunidade quilombola de Monte Alegre, município de São Luís Gonzaga, no Maranhão, o Seminário Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) Protagonistas de sua História, reuniu lideranças de 24 segmentos de PCTs de todo o Brasil. O objetivo foi o de avaliar a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) e de construir uma agenda comum de luta.
“Estarmos reunidos aqui neste Território Tradicional Quilombola de Monte Alegre, vivenciando o cotidiano deste local de ancestralidade, de lutas, de força, de reafirmação das identidades, isto reavivou em cada um de nós e em todos o sentimento de pertencimento, a certeza de que a luta que ocorre nas instâncias de participação social, nos conselhos, nas comissões, nos comitês não é uma luta isolada, é uma luta fundada nas bases, nos territórios, na oralidade, na ancestralidade, na tradição. A força da vivência destes dias no território, as danças, os cantos, a força da espiritualidade, trouxeram de volta a certeza do mesmo sentimento, da mesma vida, diversa, mas igual.”
Leia a Carta de Monte Alegre abaixo na íntegra:
Carta de Monte Alegre reafirma luta unificada de povos e comunidades tradicionais de todo o Brasil
Nós, Povos e Comunidades Tradicionais, reunidos entre os dias 03 a 05 de julho de 2018, na Comunidade Quilombola de Monte Alegre, município de São Luiz Gonzaga, Maranhão, no “Seminário Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais: Protagonistas da sua história”, aqui relatamos e nos posicionamos:
O seminário nacional “Povos e Comunidades Tradicionais: Protagonistas de sua história” reuniu lideranças de 24 segmentos de Povos e comunidades Tradicionais – PCTs, do país inteiro, com o objetivo de avaliar a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT – Decreto 6.040/2007) e de construir uma agenda comum de luta, a partir de nossos encontros e reencontros para o fortalecimento e união de nossas lutas.
Estarmos reunidos aqui neste Território Tradicional Quilombola de Monte Alegre (MA), vivenciando o cotidiano deste local de ancestralidade, de lutas, de força, e de reafirmação das identidades reavivou em cada um/a de nós e em todos/as o sentimento de pertencimento, a certeza de que a luta que ocorre nas instâncias de participação social, nos conselhos, nas comissões, nos comitês não é uma luta isolada, é uma luta fundada nas bases, nos territórios, na oralidade, na ancestralidade, na tradição. A força da vivência desses dias no território, as danças, os cantos, a força da espiritualidade, trouxeram de volta a certeza do mesmo sentimento, da mesma vida: diversa, mas igual.
O contexto que estamos vivendo é perverso, adverso. Assim, o cotidiano dos povos e comunidades tradicionais despertava o sentimento de estarmos isolados/as, de estarmos sozinhos/as, fragilizados/as diante de tantas ameaças, mas esse reencontro nos alimentou a certeza de que estamos juntos/as, de que nossa utopia permanece presente, e que nossa luta é uma só. Este momento traduz o sentimento de que as Quebradeiras de Coco Babaçu são Quilombolas, que os/as Quilombolas são Geraizeiros/as, que os Geraizeiros/as são Fundos de Pasto. Todos/as são todos/as. São um/a, mas são diversos. O respeito nos une, o respeito pela autonomia do/a outro/a, o respeito pelo que o/a outro/a é.
A nossa união é também pela certeza de que o que nos vincula é o território, pois sem o território não existimos. A força do que somos está nos nossos territórios. A água, a palmeira, a criação dos animais, a coletividade dentro da individualidade, nosso modo de vida, a possibilidade de ser quem eu sou, inteira/o, tudo isso está no nosso território. Quando temos nosso território cercado ou cerceado, nos é violado o direito de sermos nós mesmos, de sermos felizes, livres.
A luta pelo nosso território tem sido incansável e diária, pois as ameaças são muitas. Tentam nos convencer de que se tivermos um pouco de terra poderíamos viver, mas se dividem nosso território, se nos separam podemos até viver, mas não vamos sobreviver. Não vamos nos reproduzir, não vamos mais ser “nós”. Nossas crianças não serão mais nossas, nossos jovens não serão mais nossos, nós não seremos mais nossa cultura: nós morreremos. O nosso território nos define e nos faz ser vida, sem ele só há morte.
Este reencontro nos trouxe a certeza de que não há inimigos entre os povos e comunidades tradicionais, que não há disputas entre nós e que nós não somos inimigos/as de ninguém, nós estamos apenas vivendo em nosso território, sendo nós mesmos. Os/as outros/as é que nos veem como inimigos/as e no momento em que nos unimos, esse que nos vê como inimigo fica menor. Esses momentos trazem a certeza da plenitude dos nossos direitos e da necessidade da liberdade que precisamos para ser quem somos, para exercer nossa tradição e mantermos nossa cultura.
A gratidão pela possibilidade da realização deste encontro é infinita. A certeza de fazer a luta no território, junto com a juventude, junto com as crianças, no dia a dia da comunidade, isso é a semente que está plantada aqui nesse e em todos os territórios que estamos. A nossa cultura e nossa tradição vivem aqui nesse território, nessas crianças, nesses jovens, e em todas as crianças e jovens dos nossos territórios.
Esse reencontro já é um divisor de águas para os povos e comunidades tradicionais e para o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais. Houve outros momentos de reorganização, mas quando viemos para este território, organizamos um seminário, fizemos uma avaliação da PNPCT em conjunto com as bases, demonstramos que a independência do conselho, não é somente financeira, é uma independência de pensamento. A fala das/os conselheiras/os tem que ser a fala de cada um e uma que estão nos territórios, a fala de um segmento tem que representar de fato a discussão do que vêm das bases, sem temer ações governamentais, sem temer o agronegócio, sem temer a violência. O conselho é mais do que a estrutura governamental, ele é a voz que vem dos povos e comunidades tradicionais, e existe mesmo que não haja vontade política do governo para que ele exista. O conselho é cada um e uma de povo ou comunidade tradicional.
A articulação em rede, em teia, nos tem possibilitado o entendimento e o retorno da irmandade entre os povos e as comunidades. É a certeza de que os indígenas podem conversar com as quebradeiras de coco babaçu e que a nossa espiritualidade nos une, a nossa ancestralidade, a nossa tradição. Essa articulação, essa corrente, não pode ser quebrada e deve ser fortalecida.
Diante de tudo o que estamos vivendo aqui, esse não foi apenas um seminário: foi um encontro e um reencontro. Para fortalecimento, conhecimento e reconhecimento do/a outro/a, para o ajuntamento das denúncias e a riqueza de que não estamos sós, que estamos ligados/as pela identidade, pelo reconhecimento de que estamos no/a outro/a e que o/a outro/a somos nós, e que, finalmente, somos diversos/a, mas somos um/a só.
Estamos com plena consciência de todos os retrocessos, de todo o contexto adverso que estamos vivendo, mas também estamos com a plenitude de que o protagonismo da nossa história é nosso, de que quem fala por nós somos nós mesmos, de que quem cuida da nossa tradição somos nós. A nossa história é nossa e nós a escrevemos e continuaremos a escrevê-la, juntas/os.
Nos importam mais os passos firmes do que os passos largos. Seguimos.
DENÚNCIAS
A nossa união fortalece também a voz que denuncia os ataques que temos sofrido. Nossos Territórios Tradicionais estão sendo fortemente e cotidianamente atacados, estamos sendo ameaçados em nossas casas.
Exigimos o respeito aos Protocolos Comunitários de Consulta, eles são a nossa lei, que dizem como o Estado e as empresas devem atuar em nosso território. Esses protocolos foram conquistados com muita luta e devem ser ampliados para que tenhamos a garantia da autonomia sobre nossos territórios.
Gritamos sobre todas as ameaças que sofremos.
Gritamos ao Estado, nosso maior violador. Viola nossos direitos de consulta, viola nossos direitos territoriais, vende nossos territórios a grandes empreendimentos, incita o medo aos nossos dentro dos nossos territórios, divide nossas comunidades, parcela nossos territórios, nos traz projetos de infraestrutura que não dialogam com nossa cultura, nossa tradição; nos priva dos nossos direitos de acesso à água, saneamento, moradia; nos retira direitos sociais conquistados com muita luta; nos fornece uma educação formal que não dialoga com a nossa cultura, que não fala nossa língua, que coloca nossas crianças em outra cultura, violando as suas identidades.
Gritamos ao agronegócio que pulveriza veneno em suas terras e contamina os nossos territórios.
Invadem nossos territórios e dizem que são os donos da terra.
Gritamos às mineradoras que expropriam nossos territórios, matam nossos rios, contaminam nossas águas, esgotam nossos recursos naturais.
Gritamos às diversas empresas que violam nossos direitos, nossos territórios, nossas mulheres, nossas crianças.
Gritamos
Fora DNIT
Fora WS
Fora NPX
Fora WPR/WTORRES
Fora VOTORANTIM
Fora VALE
Fora SEMAR ENERGÉTICA
Fora CARGIL
Fora ALCOA
Fora HIDROALUNORTE
Fora OMEGA
Fora EQUATORIAL
Fora MINERVA AGROPECUÁRIA
Fora AGROPALMA
Fora BELO MONTE
Fora MONOCULTURAS (SOJA, DENDE, EUCALIPTO, CANA)
Fora CONCESSÕES DE PETROLEO NA COSTA NORTE
Fora TOBASA
Fora SUPRAM
Fora SAMARCO
Fora RIMA
Fora PLANTAR
Fora FEPASA
Fora CARPENTION GOLDEN
Fora MIBA
Fora SUZANO
Fora Carcinicultura
Fora RODOMBEL
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Imagem: Rede Cerrado.